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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital de Santana ou Hospital dos Incuráveis:


Situado nas Fangas da Farinha, localização actual do tribunal da Boa-Hora, na R. Nova do Almada, sabemos que tinha uma enfermaria para cada sexo, com um total de 25 camas, [1] mas desconhecemos a data da sua fundação.
Encontramos referência a este hospital em 1432, numa escritura do Convento da Trindade: “... Mais ela emprazou por o modo suso dito um quintal com suas árvores que o dito mosteiro ha na dita calçada (Calçada de Santa Maria do Carmo, mais tarde designada por Calçada do Carmo) abaixo dos paços do Almirante que parte com casas de Pero Anes cara-bodes e com quintal do dito Pero Anes e com quintal do dito João Gonçalves e com casas do Hospital de Santana e com casas de Álvaro Afonso, marinheiro ...”.[2]
Em 1551, encontramos dele uma descrição: “O Hospital de Santana às fangas da farinha é muito antigo, onde há sempre enfermos de enfermidades incuráveis. E afirma-se que há agora alguns doentes de vinte e trinta anos. Há nele duas enfermarias, uma por baixo com treze leitos, e outra por cima com doze. E tem cuidado da casa uma enfermeira. E nas enfermarias se diz missa todos os dias; e, se faltam, a Misericórdia lhas manda dizer, e provê estes enfermos de todo o necessário, e dá a cada um cada semana cem reis. O que vale cada ano trezentos e cincoenta cruzados.[3]
Em 1552 o hospital é descrito como anexo do Hospital de Todos-os-Santos, do seguinte modo: “Tem outro hospital às Fangas da Farinha, que antigamente se chamava Hospital de Santana, onde também tem enfermos destes males, que são incuráveis. Os quais provêm de cama e todo o necessário, e dão 12 rs cada dia para seu mantimento. E tem missa aos domingos.”[4]
Gustavo de Matos Sequeira afirma que o Hospital de Santana seria outro nome do Hospital de Nossa Senhora da Vitória.[5] Permitam-me que discorde. Os dois hospitais são descritos no capítulo intitulado “Hospitais que há na cidade” da obra de Cristóvão Rodrigues de Oliveira encomendada por D. João III, em 1551, como instituições diversas, nomeando designadamente: [1º] Hospital de Todos-os-Santos, [2º] Hospital de Nossa Senhora das Virtudes, que ora se chama da Vitória, [3º] Hospital de Santa Ana, às Fangas da Farinha, [4º] Hospital dos Palmeiros, [5º] Hospital dos Pescadores Chincheiros, ou de Nossa Senhora dos Remédios, [6º] Hospital dos Pescadores Linheiros e [7º] Hospital de Cata-que-farás. Nesta descrição apresenta-nos as duas instituições divergindo no número de camas e no valor das rendas auferidas. Uma outra descrição, de João Brandão (de Buarcos), também descreve ambas as instituições como entidades diferentes, pelo que não é credível que se tratem do mesmo hospital.


[1] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 11
[2] Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, subsídios para a história de Lisboa, vol. 1, Câmara Municipal de Lisboa, 1939, p. 113
[3] Cristóvão Rodrigues de Oliveira, Lisboa em 1551 - Sumário (em que brevemente se contêm algumas coisas assim eclesiásticas como seculares que há na cidade de Lisboa), Livros Horizonte, 1987, p. 62
[4] João Brandão (de Buarcos), Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, Livros Horizonte, 1990, p. 127
[5] Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, subsídios para a história de Lisboa, vol. 1, Câmara Municipal de Lisboa, 1939, p 114

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital de Santo Antão (?):



Muito pouco se apura da existência desta instituição; tomámos a liberdade de a considerar como fazendo parte do termo de Lisboa, uma vez que se situava fora da muralha fernandina, na estrada que, a partir das Portas de Santo Antão, se dirigia para o norte, em direcção a Benfica.
O Convento de Nossa Senhora da Anunciada pertenceu aos religiosos de Santo Antão em 1400, passando em 1539 para as religiosas Dominicanas; sofreu bastante ruina no terramoto de 1755, tendo falecido 10 das suas religiosas; no mesmo local foi construída no século XIX a actual Igreja de S. José.[1]
Parece ter existido um hospital localizado junto às Portas de Santo Antão, no que actualmente é o Largo da Anunciada, fundado pelos frades do convento com o mesmo orago, cerca de 1400.[2]

Encontramos uma referência ao Hospício de Nossa Senhora da Anunciada, anexo à igreja do mesmo nome, formada por alvará de D. João I, em 1425; no entanto, ressalvamos a impossibilidade de nos pronunciarmos sobre a sua veracidade, por carência de referência bibliográfica (encontrada no site dos Escuteiros da Anunciada)[3]

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital e Albergaria da Madalena



Foi este hospital fundado por Catarina Lopes, viúva de Vicente Pires Sardinha-e-meia, na freguesia da Madalena, a norte da igreja, junto das casas onde vivia, no local onde mais tarde se ergueu o prédio de João de Almada no Largo da Madalena. A Albergaria, referenciada no seu testamento em 1400, mantinha 5 pobres e só poderia ser administrada por um homem bom da freguesia; para seu mantimento, ordenou Catarina Lopes, que lhe fosse fornecido anualmente três moios de trigo, dois tonéis e meio de vinho, dois carneiros, um porco, azeite e ainda dez soldos diários a cada pobre “para conducto”; por morte de Catarina Lopes, ficou como administrador o principal herdeiro e seu criado, Gonçalo Rodrigues Camelo.
Sucedeu a seu pai como terceiro senhor da albergaria, Gonçalo Gonçalves Camelo, falecido sem descendência a 19 de Maio de 1451 e ao que parece, amigo de El-Rei D. Duarte, encontrando-se o seu nome associado ao cargo de Chanceler do rei[1]; deixou este a administração da albergaria a Afonso de Almada, morador na freguesia da Madalena e escudeiro da casa real (4º administrador); Afonso de Almada nomeou seu filho Aires de Almada (5º administrador), em 21 de Junho de 1483, para lhe suceder na administração, tendo por fim esta sido entregue a seu filho Luiz de Almada (6º administrador), lente na Universidade de Coimbra, desembargador dos Agravos e corregedor do crime.
Continuou a administração da albergaria a passar de pai para filho ao longo dos anos seguintes: Francisco Almada de Melo (7º administrador), João de Almada de Melo (8º), António Almada de Melo (9º) e João de Almada de Melo, fidalgo e capitão de cavalos, comissário da cavalaria na província da Beira e alcaide-mor de Palmela (10º). Este último teve dois filhos, António José e D. Teresa Luíza, mãe de Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro primeiro ministro de Portugal; António José de Almada e Melo herdou de seu pai a albergaria (11º administrador), tendo-a legado a seu filho João Manuel de Almada e Melo, primeiro visconde de Vila Nova de Souto de El-Rei; este João de Almada mandou deitar abaixo as casas das Pedras Negras no ano de 1749, de modo a construir um prédio no mesmo local, localizado entre a Rua da Correaria e a Rua das Pedras Negras, dando para o Largo da Madalena; durante a construção foram encontrados vários pedaços de colunas, duas bases de coluna, um capitel de ordem jónica e várias pedras de origem romana, algumas das quais foram colocadas na da parede do novo edifício que dá para a actual Travessa do Almada.[2] Este edifício, tendo resistido ao terramoto de 1755 que arrasou todo o bairro, pertenceu depois ao Marquês de Pombal; ainda existe (2014), na esquina da Rua da Madalena com a Travessa do Almada.

Edifício dos Almadas, na esquina da R. da Madalena com a Travessa do Almada

Uma das pedras de origem romana, colocada do edifício dos Almadas

Nota: João Brandão refere serem fundadores Catarina Lopez e Luis de Almada seu marido[3], o que nos parece incorrecto, pois mais de cem anos os separam. Desconheço se se trata de um erro do próprio João Brandão ou da edição consultada, a qual assenta na edição de Gomes de Brito de 1923. Pareceu-nos contudo mais fiável a cuidadosa e pormenorizada descrição de Luís Pastor de Macedo.




[1] Judite A. Gonçalves de Freitas, O Portugal Atlântico e o Portugal Mediterrâneo na itinerância régia
de meados do século XV (1433-1460), em http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/378/1/Territórios do poder.pdf, pg.7

[2] Luiz de Macedo, A Rua das Pedras Negras, Lisboa, Edição da UP, 1931, p. 26-33
[3] João Brandão (de Buarcos), Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, Livros Horizonte, 1990, p. 135

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital do Espírito Santo dos Mercadores



Encontramos este hospital referenciado no ano de 1400, no testamento de Catarina Lopes (ver também Hospital e Albergaria da Madalena), que deixou a seu herdeiro Gonçalo Rodrigues Camelo uma quinta em Alpriate, “sob o caminho que vai para Santarém”, com a condição de este manter um capelão na capela do hospital, o qual diria missas por sua alma e pela de seu marido.[1]
Dada a existência do Hospital do Espírito Santo da Pedreira em Lisboa, o qual se encontrava ligado à Confraria dos Mercadores, não será talvez abusivo pensar que esta referência testamentária se poderia relacionar com o primeiro. Fica-nos a dúvida no espírito e não encontramos modo de provar a nossa hipótese, mas somos de opinião que, com grande probabilidade, ambas as designações se referiam à mesma instituição.


[1] Luiz de Macedo, A Rua das Pedras Negras, Lisboa, Edição da UP, 1931, p. 25

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospitalinho



Não conhecemos muito da história desta instituição, mas sabemos que foi fundado no séc. XIV por João Afonso Alenquer, localizando-se no actual cruzamento das ruas Garret, Serpa Pinto e da Trindade, ao Chiado.[1] Dele ainda encontramos referência, na freguesia dos Mártires, em 1758: “Na rua do Ferragial, limite desta freguesia até ao tempo do terramoto havia uma lojas, chamado o Hospitalinho, em que habitavam algumas pobres por provimentos que lhe davam os Irmãos da Mesa da Irmandade de Santo António dos Nobres sita no convento de São Francisco da Cidade como administradores do dito Hospitalinho.[2]

- Hospitalinho (petit hôpital):
Nous ne savons pas beaucoup sur l'histoire de cette institution, mais nous savons qu'elle a été fondée au XIVe siècle par João Afonso Alenquer, localisée sur l'intersection des actuelles rues Garret, Serpa Pinto et Trindade, au Chiado. On parle encore de l´hôpital, situé dans la paroisse des Martyrs, en 1758: «Dans la rue de Ferragial, à la limite de cette paroisse, jusqu'au moment du tremblement de terre il y avait une maison appelée l’Hospitalinho, dans lequel ont vécu quelques femmes pauvres, avec l’aide des Frères de la Confrérie de St. Antoine des Nobles qui habitaient dans le couvent de Saint François, administrateurs de l’Hospitalinho."

- Hospitalinho (small hospital):
We do not know much about the history of this institution, but we know it was founded in the 14th century by João Afonso Alenquer, and situated on the intersection of actual Garret, Serpa Pinto and Trindade streets, in Chiado. We still find mention of it, in the parish of Martyrs, in 1758: "In the Ferragial street, boundary of this parish until the time of the earthquake, there was a house called the Hospitalinho, where lived some poor ladies with the donatives of the St. Anthony of the Nobles Brotherhood, that was located in the San Francisco convent, who was the Hospitalinho administrators."


[1] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 11
[2] Paróquias da Baixa-Chiado, Memórias de Uma Cidade Destruída, Alètheia Editores, 2005, p. 86

SANTOS-O-VELHO - Período Romano: Histórias e lendas


O lugar a que hoje chamamos de Santos-o-Velho é ocupado pelos povos desde há vários séculos.
Da ocupação romana conhecemos a existência de uma estrada que partia da cidade, atravessava o esteiro do Tejo onde se localizava o porto interior de Olisipo (no local da actual Rua do Arco do Bandeira), provavelmente por uma ponte de tabuleiro de madeira antecessora da ponte medieval da “Galonha”, contornaria a encosta do Carmo até ao Chiado e ao Largo de Camões, seguiria em direcção ao Calhariz até ao local onde mais tarde se abriria a porta de Santa Catarina na Cerca Fernandina e tomaria provavelmente a direcção do Guincho. Ao longo dessa estrada, de características rurais, localizavam-se numerosos casais ou villae de grande qualidade, não sendo portanto difícil de imaginar que alguns deles ocupariam a área que hoje designamos por Santos-o-Velho.[1]
Certa é a ocupação romana durante a Antiguidade Tardia, da qual parece provir uma inscrição romana encontrada por André de Resende no jardim do Palácio de Santos, onde se achava guardada, ao tempo de D. Francisco de Lencastre no século XVII, que ele, juntamente com o seu amigo Francisco de Holanda copiou e que assim dizia:[2]

L. VALERIVS. GAL.                      Lúcio Valério Galo
            SEVERVS. NA. L.                       Severo, de cinquenta anos,
H. S. EST. T. L. FILI....                  aqui está sepultado. Tito, filho de Lúcio
PATRI. P. C. ET.                           lhe erigiu esta memória, juntamente com
Q. SERTORIVS.                           Quinto Sertório
CALVVS. AFFINIS.                      Calvo, seu parente.

Desconheço o destino de tal inscrição, que parece ter-se esfumado do património lisboeta desde então.
No período romano a religião cristã foi assumida no séc. IV pela cidade episcopal. No entanto, o imperador Diocleciano desencadeou no ano de 303 até ao ano de 305, uma forte perseguição aos cristãos por todo o seu império.
Provém do período romano a conhecida lenda dos três mártires, considerados Santos, que foram supliciados na cidade e executados por ordem do prefeito romano Daciano[3]. Por outo lado, segundo um cruzado que participou na conquista de Lisboa ao lado de D. Afonso Henriques, o Arcebispo de Braga discursou sobre a muralha da cidade, por altura de um pacto de tréguas para conversações entre as partes, na tentativa do rei português obter a rendição pacífica da cidade, do seguinte modo: “... Na mesma cidade é testemunha disso [da destruição da fé cristã] o sangue dos mártires Máxima, Veríssimo e Júlia virgem, derramado pelo nome de cristo, no tempo de Ageiano, governador romano.[4] Segundo a lenda, os três mártires seriam irmãos, provenientes de Roma (outra versão dá como Lisboa a sua origem) e parece terem sido supliciados pelas autoridades romanas; após o suplício, que culminou na sua morte, os corpos foram atados a pedras e deitados ao rio Tejo entre Lisboa e Almada, tendo os corpos sido arrojados à costa num local a poente da urbe de Lisboa; os mártires Veríssimo, Máxima e Júlia[5] constituíram assim a génese de devoção do povo cristão neste local.
Sabe-se que as primeiras referências aos três santos mártires de Lisboa se encontram no Martirológio de Usuardo, monge benedictino falecido cerca de 858 ou 876, consoante diversas as versões e parece que lhes foi construído um templo, ao tempo dos visigodos, no local aproximado ao que hoje designamos por Santos-o-Velho.
Santos Mártires Veríssimo, Maxima e Júlia - Desembarque em Lisboa (séc. XVI, óleo sobre madeira, Museu Carlos Machado)

Não parecem restar dúvidas sobre a ocupação romana do local, assim como da existência de três cristãos aí supliciados, eventualmente no séc. IV, cujo culto, iniciado neste arrabalde de Lisboa, se haveria de generalizar por todo o território português, perdurando no local original durante muitos séculos.



[1] Carlos Guardado da Silva, Lisboa Medieval, 2ª Ed. ed. Colibri, 2010, pg. 49
[2] Júlio de Castilho, A Ribeira de Lisboa, vol. V, 2ª Ed., Câmara Municipal de Lisboa, 1944, pg.73
[3] Mário de Gouveia in Lisboa Medieval – os rostos da cidade, ed. Livros Horizonte, 2007, pg. 372
[4] Autor desconhecido, A Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147 – Carta de um cruzado inglês, 2ª ed.; Livros Horizonte, 2004, pg 41
[5] Flores, Espanha Sagrada, tomo XIV, pg 397.