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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital de D. Maria Aboim (ou de Boim)


D. Maria Anes de Aboim era filha de D. João de Aboim, Mordomo-mor do rei D. Afonso III, tendo recebido de seus pais a vila e castelo de Portel, Vila Boim e vários outros bens, foi casada com o fidalgo espanhol D. João Fernandes de Límia; já viúva desde 1316, sem descendência, lavrou o seu testamento em Lisboa, a 30 de Julho de 1337 (1375 na era de Cristo), no qual deixou fundado um hospital, falecendo nesse mesmo ano. Consideramos então o hospital como fundado em 1375, tendo 10 camas destinadas a merceeiras.[1]
No testamento de D. Maria Aboim poderia ler-se: “filho as minhas casas dapar de S. Domingos de Lisboa, também as de morada, como as foreiras para deus e mando que os meus testamenteiros façam em elas um hospital em que ponham dez mulheres pobres no dito hospital, que sejam de boa nomeada e um homem para ser Albergueiro e mandarão que lhe deem em cada um ano seis côvados de valenciana a cada uma e ao Albergueiro e de dois em dois anos a elas e ao Albergueiro sapatos e vinte soldos para camisas e cada dia dezoito dinheiros a cada uma para comer”. D. Maria deixou ainda ao hospital bens existentes em Lisboa, Sintra, Mafra e Leiria, pratas, alfaias, azêmolas e toda a liteira (roupa de cama). [2]
O hospital ficava situado na freguesia de Santa Justa, perto de S. Domingos, a norte do Paço dos Estaus e encostando-se no seu lado norte à Torre da Inquisição da muralha fernandina, que pertencia ao hospital;[3] esta situação localiza-nos na actualidade no quarteirão situado na Praça D. João da Câmara, a norte do Teatro D. Maria II.
Foi o hospital administrado durante muitos anos pela Câmara de Lisboa; sabe-se que um dos seus Provedores foi Lourenço Anes Curto, provedor de 1389 a 1404 e de 1406 a 1407, ano em que foi exonerado por D. João I, devido a incompetência e falta de zelo, a pedido da Câmara; o rei autoriza o Conselho de Lisboa, que governava à data o estabelecimento,[4] a nomear novo provedor e compromete-se a liquidar as dívidas que Lourenço Anes tivesse contraído no exercício do cargo. D. João II, seguindo a sua política de poder sobre as instituições, particularmente sobre os hospitais, assume a administração em substituição da Câmara. Sabe-se ainda que continuava o seu funcionamento no ano de 1492, quando se foi feito um aforamento de umas casas que lhe pertenciam, por Estevão Martins, Mestre Escola na Sé e Provedor-mor e juiz dos Hospitais, Albergarias, Confrarias e Capelas de Lisboa.[5]
Tendo sido incorporado no Hospital de Todos-os-Santos,[6] manteve-se ainda a Mercearia em funcionamento, anexa ao Hospital Real, com o ordenado de dois mil cento e quarenta reis por ano, albergando com dez merceeiras,.[7]


[1] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 10
[2] Augusto da Silva Carvalho, Crónica do Hospital de Todos-os-Santos, Edição do V Centenário da Fundação do Hospital Real de Todos-os-Santos, 1992, p. 285-286
[3] A. Vieira da Silva, A Cerca Fernandina de Lisboa, vol. I, Câmara Municipal de Lisboa, 1948, p. 102
[4] A oligarquia camarária de Lisboa (1325-1433), Anexo I – Corpo Prosopográfico, p. 552, em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/569/7/17434_7-Anexo_1.pdf
[5] Mário Carmona, O Hospital Real de Todos-os-Santos da Cidade de Lisboa, 1954, p. 55
[6] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 11
[7] João Brandão (de Buarcos), Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, Livros Horizonte, 1990, p. 130

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Mercearias de D. Afonso IV e da rainha D. Brites


Foram instituídas por D. Afonso IV e sua mulher D. Brites (ou Beatriz), localizando-se inicialmente defronte do Campo das Cebolas, na Ribeira Velha, segundo João Batista de Castro.[1]
Sabemos que El-rei D. Diniz teve vários filhos bastardos, entre os quais se conta D. Fernão Sanches, a quem o monarca fez muitas doações: a aldeia de Recadães em 1294, a herdade da Orta de Nomão em 1300, a lezíria dos Pastos no termo de Santarém em 1303,o Reguengo de Oliveira do Conde em 1306. Casado com D. Froilha Annes de Briteiros e sem filhos, doou ainda em vida a seu meio-irmão D. Afonso IV, as herdades que possuía no termo de Santarém. Pensa-se que D. Fernão Sanches terá morrido pouco depois de 13 de Novembro de 1327. D. Afonso IV presenteou a rainha D. Brites com estas herdades, anexando-as às capelas e hospital que instituiu em Lisboa.[2]
No seu testamento redigido em 1345, o rei D. Afonso, falecido a 29 de Maio de 1357, instituiu um hospital para “homens e mulheres pobres, […] que nas casas que nos compramos na freguesia da Sée se faça hum hospital a serviço de Deus, no qual se mantenhão para sempre vinte e quatro pobres”, tendo igualmente deixado um regulamento para o funcionamento da instituição.[3] Aí se alojavam 12 merceeiros e 12 merceeiras.[4]
Em 1354,D. Afonso IV e a Rainha D. Beatriz instituem uma capela na Sé de Lisboa fazendo-lhe doação, com excepção das propriedades pertencentes aos mostairos de Arouca e Lorvão, de todo o conselho de Alverca, como consta no trasladado no Tombo das Capelas: “[...] com consentimento, outorgamento e prazimento do Infante Dom Pedro noso filho e do infante D. Fernando noso neto, damos e doamos haa dita nosa capella que he fundada na igreja catedral de Lixboa (...) pera mantimento dos capellaees e pobres e dos outros encarreguos dessa capella e sprital a nosa Villa d’Alverca, que chamã de comdado, com todos seus termos e com toda pose e propriedade e com todallas herdades e vinhas, olivaees, pumares, casas, foros, juguados, per qualquer maneira que as nos asy avemos, e todollos outros dereitos, pertenças que a nos peertençam [...].”O mesmo aconteceu com terras de Viana do Alentejo e do Gradil. [5]
Em 1410 as terras das Capelas eram quarteiras, isto é, os moradores de Alverca eram obrigados ao pagamento de um quarto da produção de vinho, cereais, azeite, frutas, legumes e linho para aquela instituição.[6]
Encontramos referência a este hospital num alvará de el- Rei D. João I, datado de 26 de Agosto de 1429, ordena o monarca que Afonso Peres, provedor das mercearias, mandasse encerrar os portões do hospital, de modo a evitar  “... Que pessoas, assim homens como mulheres vão dentro do dito esprital, e que levam a ello bestas e cães mortos, e esterco (...) para os lançarem ao mar per cima do muro, ...”, assim como outros estragos que enumera. Em 1430 era provedor deste hospital Gonçalo Esteves.[7]
Em 1453 os moradores de Alverca recusavam pagar o quarto de azeite, frutas, legumes e linho, e em 1456 D. Afonso V emitia um documento onde permitia a obrigação de apenas pagarem um quarto de azeite, vinho e cereais, assim como um cesto de azeitonas, em cada dez produzidos. Em 1501, a maior parte das fazendas de Alverca pagavam somente um sexto da produção daqueles produtos.[8]
No Tombo das propriedades da Câmara de Lisboa, comprova-se a modificação da localização desta Mercearia cerca do ano de 1543, situando-se então nas traseiras da igreja de Santo António, local onde parece ter ficado até ao tempo de terramoto de 1755: “da banda do norte parte com terra firme, e muro que estaa debaixo da mercearia das Merceeiras das capelas delrrey D. Afonso […]”.[9] Teremos ainda dela referência no ano de 1551, nas palavras de Cristóvão Rodrigues de Oliveira: “está na Sé a capela d’El-Rei D. Afonso o quarto, e da Rainha D. Brites, sua mulher, onde estão sepultados na capela-mór: a qual tem dez capelães, e doze merceeiros, e doze merceeiras. E tem de renda mil e quinhentos cruzados.[10] Refere João Brandão que a mercearia tinha vinte merceeiros, dez homens e dez mulheres, com aposentos apartados não podendo constituir-se casais, e que teriam de ser “pessoas honradas e de boa vida e fama”. Usufruíam para seu sustento quatro alqueires de trigo e trezentos reis em dinheiro, para conduto, duas canadas de azeite e um saco de carvão; em cada dois anos e meio davam-lhes dois mil reis para vestuário e as casas seriam limpas semanalmente.[11] Em 1589 era juiz das Capelas, Heitor Furtado de Mendonça.[12]
Em 1785 construiu-se ao pé da igreja de S. Jorge (actualmente desaparecida), na Rua do Limoeiro, actualmente Rua Augusto Rosa nº 15, uma casa para os merceeiros; sobre a porta foi colocada uma inscrição que o atesta:
Casas para
Habitação dos merceeiros do SNR. REY
D. AFFONSO IV e Merceeiras da SNR.ª RAYNHA
D. BEATRIZ Sua Mulher novam.te edificadas
Pelo favor e ordem da RAYNHAFIDELLISSIMA
D. MARIA I nossa SENHORA em o Anno de
MDCCLXXXV
Sendo Provedor D. Caetano de Noronha

Em 1837, as Capelas passam a ser designadas como Reaes Merciarias do Senhor Rei D. Affonso 4º, tendo passado, a administração para o Ministério do Reino. Esta alteração fez cessar a cobrança de rendas  até então da responsabilidade dos provedores, pelo que os Mercieiros e Mercieiras ficaram sem rendimentos, apelando então à rainha: “[…] a Graça de Numiar pesoa que se encarregue de cobrar Exzecutar e promover tudo quanto se lhe deve e lhes pertense pelas exzecuçoes que Exzistem perparadas mesmo com pinhoros e depozitarios e tudo o mais como foros certos em Sabtarem em Alhandra Alverca e Gradil Vianna do Alentejo e finalmente em qualquer parte onde exzistiaõ Bens, e Rendas desta Repartiçaõ q lhes foraõ aplicadas pelos Reaes Instituidores param sua sustentçaõ conforme a declaraçaõ em seos Testamentos os suptes Real Senhora cheios de fome e afliçaõ vem por este modo aos Reaes Pés de V. Magestade Implorar[13]
A instituição foi, por decreto de 26 de Novembro de 1851, incorporada no Asilo de Mendicidade.[14] No entanto, a instituição continuou a ser foreira de várias propriedades em Alverca, pelo menos até 1875.[15]



[1] João Batista de Castro, Mappa de Portugal, tomo I, p. 348, citado em Carlos Guardado da Silva, Lisboa Medieval – a organização a e estruturação do espaço urbano, Lisboa, Edições Colibri, 2008, p.168
[2] D. João I, Livro da Montaria, (Apêndices), publicado por Francisco Maria Esteves Pereira da Academia de Ciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1918, p. 453-454, em http://purl.pt/14553/2/sa-7118-v_PDF/sa-7118-v_PDF_24-C-R0150/sa-7118-v_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf
[3] Carlos Guardado da Silva, Lisboa Medieval – a organização a e estruturação do espaço urbano, Lisboa, Edições Colibri, 2008, p. 224
[4] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 12
[5] Anabela Silva Ferreira, Casa da Câmara de Alverca – Conhecer a sua História, Valorizar um Património, Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, Universidade Aberta, Lisboa, 2007, p. 41-42
[6] Anabela Silva Ferreira, Casa da Câmara de Alverca – Conhecer a sua História, Valorizar um Património, Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, Universidade Aberta, Lisboa, 2007, p. 42
[7] Júlio de Castilho, Lisboa Antiga – Bairros Orientais, 2ª ed., vol. VI, Câmara Municipal de Lisboa, 1936, p. 35-37
[8] Anabela Silva Ferreira, Casa da Câmara de Alverca – Conhecer a sua História, Valorizar um Património, Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, Universidade Aberta, Lisboa, 2007, p. 43
[9] Luis Lourenço, Livro Primeiro do Tombo das Propriedades foreiras à Câmara, Edição da Câmara Municipal de Lisboa, 1950, p.9
[10] Cristóvão Rodrigues de Oliveira, Lisboa em 1551 - Sumário (em que brevemente se contêm algumas coisas assim eclesiásticas como seculares que há na cidade de Lisboa), Livros Horizonte, 1987, p. 18
[11] João Brandão (de Buarcos), Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, Livros Horizonte, 1990, p. 134
[12] Anabela Silva Ferreira, Casa da Câmara de Alverca – Conhecer a sua História, Valorizar um Património, Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, Universidade Aberta, Lisboa, 2007, p. 43
[13] Anabela Silva Ferreira, Casa da Câmara de Alverca – Conhecer a sua História, Valorizar um Património, Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, Universidade Aberta, Lisboa, 2007, p. 51
[14] Júlio de Castilho, Lisboa Antiga – Bairros Orientais, 2ª ed., vol. VI, Câmara Municipal de Lisboa, 1936, p. 37-38
[15] Anabela Silva Ferreira, Casa da Câmara de Alverca – Conhecer a sua História, Valorizar um Património, Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, Universidade Aberta, Lisboa, 2007, p. 52