O lugar a que hoje chamamos de
Santos-o-Velho é ocupado pelos povos desde há vários séculos.
Da ocupação romana conhecemos a
existência de uma estrada que partia da cidade, atravessava o esteiro do Tejo
onde se localizava o porto interior de Olisipo (no local da actual Rua do Arco
do Bandeira), provavelmente por uma ponte de tabuleiro de madeira antecessora
da ponte medieval da “Galonha”, contornaria a encosta do Carmo até ao Chiado e
ao Largo de Camões, seguiria em direcção ao Calhariz até ao local onde mais
tarde se abriria a porta de Santa Catarina na Cerca Fernandina e tomaria
provavelmente a direcção do Guincho. Ao longo dessa estrada, de características
rurais, localizavam-se numerosos casais ou villae de grande qualidade,
não sendo portanto difícil de imaginar que alguns deles ocupariam a área que
hoje designamos por Santos-o-Velho.[1]
Certa é a ocupação romana
durante a Antiguidade Tardia, da qual parece provir uma inscrição romana
encontrada por André de Resende no jardim do Palácio de Santos, onde se achava
guardada, ao tempo de D. Francisco de Lencastre no século XVII, que ele,
juntamente com o seu amigo Francisco de Holanda copiou e que assim dizia:[2]
L. VALERIVS. GAL. Lúcio Valério Galo
SEVERVS.
NA. L. Severo,
de cinquenta anos,
H. S. EST. T. L. FILI.... aqui
está sepultado. Tito, filho de Lúcio
PATRI. P. C. ET. lhe
erigiu esta memória, juntamente com
Q. SERTORIVS. Quinto Sertório
CALVVS. AFFINIS. Calvo, seu
parente.
Desconheço o destino de tal
inscrição, que parece ter-se esfumado do património lisboeta desde então.
No período romano a religião
cristã foi assumida no séc. IV pela cidade episcopal. No entanto, o imperador
Diocleciano desencadeou no ano de 303 até ao ano de 305, uma forte perseguição
aos cristãos por todo o seu império.
Provém do período romano a conhecida lenda
dos três mártires, considerados Santos, que foram supliciados na cidade e
executados por ordem do prefeito romano Daciano[3]. Por
outo lado, segundo um cruzado que participou na conquista de Lisboa ao lado de
D. Afonso Henriques, o Arcebispo de Braga discursou sobre a muralha da cidade,
por altura de um pacto de tréguas para conversações entre as partes, na
tentativa do rei português obter a rendição pacífica da cidade, do seguinte
modo: “... Na mesma cidade é testemunha
disso [da destruição da fé cristã] o
sangue dos mártires Máxima, Veríssimo e Júlia virgem, derramado pelo nome de
cristo, no tempo de Ageiano, governador romano.”[4]
Segundo a lenda, os três mártires seriam irmãos, provenientes de Roma (outra
versão dá como Lisboa a sua origem) e parece terem sido supliciados pelas
autoridades romanas; após o suplício, que culminou na sua morte, os corpos
foram atados a pedras e deitados ao rio Tejo entre Lisboa e Almada, tendo os
corpos sido arrojados à costa num local a poente da urbe de Lisboa; os mártires
Veríssimo, Máxima e Júlia[5] constituíram
assim a génese de devoção do povo cristão neste local.
Sabe-se que as primeiras referências aos três santos mártires
de Lisboa se encontram no Martirológio de Usuardo, monge benedictino falecido
cerca de 858 ou 876, consoante diversas as versões e parece que lhes foi
construído um templo, ao tempo dos visigodos, no local aproximado ao que hoje
designamos por Santos-o-Velho.
Santos Mártires Veríssimo, Maxima e Júlia - Desembarque em Lisboa (séc. XVI, óleo sobre madeira, Museu Carlos Machado) |
Não parecem
restar dúvidas sobre a ocupação romana do local, assim como da existência de
três cristãos aí supliciados, eventualmente no séc. IV, cujo culto, iniciado
neste arrabalde de Lisboa, se haveria de generalizar por todo o território
português, perdurando no local original durante muitos séculos.
[1] Carlos Guardado da Silva, Lisboa
Medieval, 2ª Ed. ed. Colibri, 2010, pg. 49
[2] Júlio de Castilho, A
Ribeira de Lisboa, vol. V, 2ª Ed., Câmara Municipal de Lisboa, 1944, pg.73
[3] Mário de Gouveia in
Lisboa Medieval – os rostos da cidade, ed. Livros Horizonte, 2007, pg. 372
[4] Autor desconhecido, A
Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147 – Carta de um cruzado inglês, 2ª
ed.; Livros Horizonte, 2004, pg 41
[5] Flores, Espanha Sagrada,
tomo XIV, pg 397.
isto foi inútil
ResponderEliminarConcordo consigo
EliminarIsto não me serviu de nada
Fiquei na mesma!!!
Caros Anónimo e Catarina
EliminarPrezo que já soubessem toda a informação sobre o que se passou durante o período romano no bairro de Santos-o-Velho. è sempre bom quando encontramos pessoas informadas!