Frei Pedro Gonzalez ou Pero Gonçalvez,
da Ordem dos Pregadores ou Dominicanos, terá nascido em 1185 e falecido em 1240
ou 1246, após o que foi sepultado na catedral de Tuy; tendo ingressado no
convento dominicano de Palência, região de onde era natural, radicou-se
posteriormente na Galiza, onde viveu grande parte da vida. A sua figura
prende-se à veneração dos mareantes, sendo relatados muitos milagres que o
associam à protecção de embarcações durante tempestades, como bem descreve Frei
Luís de Sousa (falecido em 1622): “S.
Pero Gonçalves, em sendo chamado, acode logo com luz, em penhor de sua
assistência, a qual enche de esperança os afligidos, tão certa que logo se dão
por remediados e salvos, por grande que seja o trabalho. (...) He este farol
hum lume como de huma vela, o qual toma lugar certo na nao: ora aparece sobre
os mastros, ora nas gáveas, ora nas antenas, e às vezes sobre lugares mais
baixos dos navios; e o ordinário é não se ver senão em tempestades de grande
perigo. Tanto que aparece, logo toda a nao lhe dá as graças com grita e
alegria, dizendo: «Salva, Corpo Santo!»; porque na linguagem ordinária dos
mareantes Portugueses, por este nome de Corpo Santo he conhecido S. Pero
Gonçalves.” [1] Vemos pois que o santo se encontrava
unido ao fenómeno de ionização do ar que ocorre durante tempestades de forte
campo electro-magnético, designado na gíria náutica por “Fogo de Santelmo”. A
designação de S. Temo ou Santelmo refere-se exactamente à mesma personagem,
tendo este último nome sido adoptado sobretudo em Espanha e Itália, provavelmente
por analogia itálica com São Erasmo (também designado por Ermo ou Telmo); certo
é que Pedro Gonçalves não possuía Telmo no seu nome. Considerado como protector
dos mareantes, foi objecto de culto intenso em toda a costa de Portugal, sendo
finalmente canonizado no século XVIII.
No Largo actualmente designado por Corpo Santo,
existia a Ermida de Nossa Senhora da Graça, que albergava uma imagem de S.
Pedro Gonçalvez, venerado pelas gentes do mar que habitavam na área e estendiam
as suas redes para secar no terreiro adjacente. Foi esta igreja paroquial até
1412, altura em que a paróquia se deslocou para S. Paulo; parece não ter
sofrido grande estrago com o terramoto de 1755, tendo no entanto sido
substituída pela igreja actual no século XVIII. Os marinheiros começaram a designar
a ermida por Corpo Santo, nome que perdura até aos nossos dias. Fundou-se, em
data incerta, uma confraria associada à igreja, designada por Irmandade e
Hospital de Senhora da Graça do Corpo Santo, pertencente aos pescadores de
Cata-que-Farás (local correspondente aos actual Corpo Santo), a qual tinha grandes
proventos derivados de uma pensão paga pelos moradores do bairro e de uma taxa
sobre todos os produtos vendidos no largo.[2]
A confraria dos mareantes administrava o hospital situado nesse local e, embora
tenhamos encontrado referência da incorporação da instituição no Hospital de
Todos-os-Santos[3],
encontramo-lo ainda descrito cerca de 1551: “O hospital e confraria do Corpo santo está na freguesia dos Mártires.
Valem as esmolas que aí fazem cincoenta cruzados.”[4] Desconhecemos a data em que
o hospital terminou as suas funções, assim como as suas características.
[1]
Mário Martins, S. J., S. Pero Gonçalvez,
O. P., O “Corpo Santo” e Gil Vicente, Lusitania Sacra, p. 39-43, em http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/5045/1/LS_S1_08_Mario%20Martins.pdf
[2]
Jorge Manuel da Conceição Rodrigues, A
Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos e suas Congéneres de Mareantes,
Dissertação de Mestrado em História Moderna apresentada na Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, Porto, 2002, p. 52, em repositorio-aberto.up.pt
[3]
Fernando da Silva Correia, Os Velhos
Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de
Lisboa, 1941, p. 10-11
[4]
Cristóvão Rodrigues de Oliveira, Lisboa
em 1551 - Sumário (em que brevemente se contêm algumas coisas assim
eclesiásticas como seculares que há na cidade de Lisboa), Livros Horizonte,
1987, p. 56
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