Provavelmente anterior à fundação da
nacionalidade, sem que seja possível confirmação documental deste facto, já
dela existe referência em 1220 (não documentada); documento certo é o
testamento de Ousenda Leonardes datado de 1325, que contempla 20 soldos para os
gafos de S. Lázaro[1]. Damião
de Góis localiza, sem denominação própria, uma gafaria entre o campo de Santana
e a Mouraria, perto de um campo de pastagem e da feira do gado.[2]
Ignora-se a responsabilidade da sua
fundação. Presume-se que se situava no Poio de S. Lázaro, na encosta que subia
da Mouraria para o Campo do Curral (mais tarde Campo de Santana);
encontrando-se no exterior da muralha de D. Fernando, é possível que tenha
recebido os gafos dos Mártires, quando esta gafaria foi abrangida por aquela
terceira muralha de Lisboa.[3] A
localização desta gafaria é, no entanto, algo controversa, uma vez que se
confunde nos documentos com a dos Mártires, desconhecendo-se se existiram ambas
ou se uma deu lugar à outra.[4]
Tinha um provedor ou vedor, eleito
entre os vereadores por um período de um ano, ao qual competia guardar as
chaves da arca das escrituras e a chave da arca dos ornamentos e outros
objectos de valor, supervisionar as propriedades da Casa, averiguar as razões
das contendas, escolher o pessoal doméstico, avaliar e fazer assentar os bens
dos enfermos, constranger os doentes que se recusassem entrar na gafaria,
executar sentenças e gerir esmolas; o provedor contava com a ajuda de um
escrivão, que guardava a segunda chave da arca das escrituras, supervisionando
também as propriedades; existia ainda um capelão que era escolhido e pago pela
cidade, tendo as funções de dizer missa três vezes por semana.[5] Os
rendimentos para o seu funcionamento provinham de propriedades doadas à gafaria
e àquelas pertencentes aos gafos que nela faleciam, as quais revertiam para a
Casa; sabe-se que possuía uma adega localizada junto à Portagem (perto da
actual igreja da Conceição Velha);[6]
segundo o regimento datado de 1460, cada morador de Lisboa e do seu termo
deveria oferecer aos leprosos um real por ano, provindo assim ajuda para o
respectivo sustento.[7]
Sabe-se que na Gafaria de S. Lázaro
existia uma ermida ou igreja de S. Lázaro, um alpendre onde os gafos se reuniam
com as pessoas de fora, um celeiro, a casa do provedor, casas para os doentes e
casas para mancebas, exteriores à propriedade mas junto à porta (as mancebas
não eram leprosas e responsabilizavam-se pelas tarefas domésticas da gafaria).
As casas dos gafos, mandadas construir por D. Manuel em 1503, eram térreas,
medindo 12 palmos por 15 e possuíam chaminé e alpendre. [8]
Continuou o seu funcionamento até 1551,
encontrando-se referenciada no Sumário:
“A Ermida de são Lázaro está na Freguesia
de santa justa. Há nesta ermida três confrarias, ou seja, a de são Lázaro, a de
santa Marta, e a de Nossa Senhora. Valem as esmolas delas sessenta cruzados.
Nesta casa se curam e mantêm os gafos.”[9] A gafaria (?) vem ainda
referida no tombo da cidade, referindo o ano de 1567 “...as quais casas foram encabeçadas pela cidade em Andre Anriquez
recebedor dos orfãos de S. Lázaro...”.[10] Parece ter funcionado
independente até finais do século XIX.[11]
Ignoro se a gafaria deu lugar ao
denominado Hospital de São Lázaro ou se este último se trata de outra instituição
fundada mais tardiamente, que se encontra referenciada como pertencente à
freguesia de Santa Justa e como tendo sobrevivido ao grande terramoto.[12]
[1]
Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São
Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença
(sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 76-77
[2]
Damião de Góis, Descrição da Cidade de
Lisboa, 2ª ed., Livros Horizonte, 2001, p. 44
[3]
Fernando da Silva Correia, Os Velhos
Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de
Lisboa, 1941, p. 12
[4]
Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São
Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença
(sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 79
[5]
Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São
Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença
(sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 86
[6] Vieira da Silva, As
Muralhas da Ribeira de Lisboa, 2ª ed., Vol. I, Câmara Municipal de Lisboa,
1940, p. 195
[7]
Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São
Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença
(sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 91
[8]
Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São
Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs.
XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 93
[9]
Cristóvão Rodrigues de Oliveira, Lisboa
em 1551 - Sumário (em que brevemente se contêm algumas coisas assim
eclesiásticas como seculares que há na cidade de Lisboa), Livros Horizonte,
1987, p. 54
[10]
Luis Lourenço, Livro Primeiro do Tombo
das Propriedades foreiras à Câmara, Edição da Câmara Municipal de Lisboa,
1950, p. 292-193
[11]
Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São
Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença
(sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 79
[12]
Paróquias da Baixa-Chiado, Memórias de
Uma Cidade Destruída, Alètheia Editores, 2005, p. 165
Parabéns. Gostei muito de ler.
ResponderEliminarObrigada Filomena.
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