Tendo o início
da conquista da Península Ibérica ocorrido em Julho de 711, é atribuído a Abd
al Aziz a ocupação pacífica de Olisipo em 714.
Existem
versões díspares sobre a tolerância muçulmana em relação aos cristãos; se, por
um lado se nomeiam actos violentos contra a cristandade, afirma-se por outro
que o povo muçulmano era aparentemente tolerante com os cristãos que viviam no
território, denominados moçárabes. A verdade histórica não andará longe das
duas hipóteses, sendo provável que existissem ambas as atitudes consoante a
época ou os comportamentos individuais, ao longo das quatro centúrias de
ocupação árabe de Lisboa. Atestando as atitudes de tolerância, assistimos à
multiplicação de igrejas e mosteiros durante este período de ocupação, enquanto
a atitude contrária nos é transmitida pelo cruzado inglês que participou na
tomada de Lisboa ao lado de D. Afonso Henriques, ao referir que o templo dos
três Mártires que existira durante o período visigótico na praia de Santos, foi
arrasado pelos Mouros até aos alicerces, dele restando apenas três pedras: “Sob
o domínio dos reis cristãos, antes que os mouros a tomassem, num lugar junto da
cidade e que se chama Campolide, venerava-se a memória dos três mártires:
Veríssimo, Máxima e Júlia, virgem, de cuja igreja totalmente arrasada pelos
mouros restam ainda somente três pedras como lembrança da sua destruição, as quais
nunca dali puderam ser retiradas. A respeito delas dizem alguns que são
altares; outros, porém, afirmam que são pedras tumulares.”[1]
Os Mártires de
Santos constituem um dos cultos mais antigos da cidade e do país, sendo
mencionados nos martirológios de Floro e Usardo (hagiógrafo carolíngeo), o
último escrito entre 850 e 865: “Apud provinciam Lusitaniam, ciutate
Olixpona sanctorum martyrum Verissimi, Maximae et Juliae sororum”. Também o
denominado Calendário de Cordova , de 961, refere o martírio de Santa
Júlia e de seus companheiros de Lisboa. Em várias localidades do território que
hoje é Portugal, veneravam-se os Santos Mártires, como o atestam vários
documentos: um antigo testemunho do ano de 927, associado à igreja de Arazede
no condado de Coimbra, na data em que esta foi trocada pelo seu proprietário –
o presbítero Ataúlfo – pela igreja de Outil, propriedade do presbítero
Crescónio, faz deles referência; a igreja de S. Veríssimo, em Gondezende, é
escolhida em 999, como local de reunião de uma assembleia judicial, para que se
proceda ao juramento das partes e à posterior confirmação dos direitos de posse
dos monges representados pelo abade Gonta, num conflito litigioso a propósito
da vila de Soutelo. Parece assim, que as relíquias de Santo Veríssimo serviam
para proferir os juramentos que solenizavam os actos de alienação e
transferência de direitos patrimoniais. O seu culto encontra-se atestado em
vários calendários moçárabes do séc. XI, nos anos de 1039, 1052, 1066, 1067 e
1072, com referência a festas no dia 1 de Outubro[2].
Na Rua das Madres, na Madragoa, foi encontrada,
quando se abriam fundações para a construção de um prédio em 1962, uma estela
funerária embebida numa antiga parede. Dadas as características da inscrição
nela contida, foi datada como pertencente muito provavelmente ao fim do XII. Se
bem que a sua presença em Santos-o-Velho não possa provar em absoluto a existência
de uma comunidade muçulmana no local, pois poderia ter sido deslocada da sua
posição inicial, é certo que alguns historiadores mantêm a hipótese da ocupação
islâmica na freguesia de Santos-o-Velho, relacionando-a com um pequeno
núcleo populacional associado à faina do rio, neste arrabalde da antiga cidade
moura.[3]
Estela muçulmana do séc. XII - Museu da Cidade |
[1] Autor desconhecido, A
Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147 – Carta de um cruzado inglês, 2ª
ed.; Livros Horizonte, 2004, pg. 33
[2] Mário de Gouveia, Lisboa Medieval – os rostos da
cidade, ed. Livros Horizonte, 2007, p. 388-389
[3] Carlos Guardado da Silva, Lisboa
Medieval, 2ª Ed. ed. Colibri, 2010, pg. 85
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